Marcuse e o fim da sociedade do trabalho
Marcuse e o fim da sociedade do trabalho
Michel Aires de Souza
http://filosofonet.wordpress.com/
Marx, Weber e Durkhein conceberam o conceito de trabalho como a peça fundamental de seus pensamentos. Contudo, em nossa atualidade, o trabalho já não é mais o principal fator que organiza a sociedade. Os sociólogos de hoje consideram outros fatores como modos da organização social, como a família, o racismo, a sexualidade, o corpo. O trabalho tornou-se um conceito ultrapassado. Além disso, os conflitos sociais já não partem mais do antagonismo entre burguesia e proletariado. Hoje, conflitos raciais, separatistas, religiosos e culturais são mais constantes. Em nossa atualidade o trabalho se fragmentou, já não é mais o mesmo. Os trabalhos produtivos da indústria, cujos princípios norteadores eram o fordismo e o taylorismo, que valorizavam a produtividade, controlando os movimentos das máquinas e dos homens no processo de produção, tende a desaparecer. Hoje têm sido criadas novas modalidades de ocupação. A prestação de serviços vem tomando o lugar do trabalho produtivo. Atualmente com o desemprego estrutural (desemprego causada pela crescente mecanização), tem surgido cada vez mais o trabalho informal. Pode ser que num futuro próximo todas esferas da vida social sejam mecanizadas. Se este diagnóstico for correto, qual novo tipo de trabalho seria possível numa sociedade pós-industrial? Qual o novo tipo de indivíduo para esta nova sociedade? Marcuse, filósofo da escola de Frankfurt, em pleno auge da industrialização, na década de cinqüenta, já pensava sobre estas questões. Em seu livro “Eros e civilização” de 1955 ele já pensava sobre o colapso do capitalismo e o fim da sociedade do trabalho. Em sua opinião, a perspectiva de mudanças nos modos e nas relações de produção, com a mecanização e automatização em todas as esferas da vida social, deve possibilitar uma nova forma histórica da realidade. O capitalismo terá seu fim quando todas as esferas da vida social forem mecanizadas e automatizadas acabando com o trabalho produtivo. Ele espera que surja daí uma nova racionalidade, uma vez que todos os bens materiais e intelectuais, sem a necessidade do trabalho, serviriam ao desenvolvimento das potencialidades humanas e estariam a serviço da vida. A proposta de Marcuse é a idéia de uma nova racionalidade sensível, que se caracteriza e se define como racionalidade do prazer. Essa racionalidade se opõe ao moderno conceito de racionalidade instrumental da sociedade capitalista, que se fundamenta numa razão formal, lógico-matemática. A racionalidade do mundo ocidental é uma racionalidade técnica, repressiva, fundamentada numa razão que visa coordenar os meios com os fins, buscando apenas a operação e o procedimento eficaz na exploração e controles da natureza e dos homens. Essa razão abandonou os ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, ela não tem mais a preocupação com a felicidade humana, mas sim com o capital. Contudo Marcuse, em seu livro “Eros e Civilização” diagnosticou que o conceito de razão desenvolvido pelo mundo ocidental desvelou uma forma de razão superior àquela existente na cultura capitalista e que contém sua própria negação, uma razão que signifique contemplação, fruição e receptividade do prazer. Hoje, como sabemos, existem todas as forças materiais e intelectuais necessárias à realização de uma sociedade livre. O progresso humano pode possibilitar a eliminação da pobreza, fome, miséria, trabalho alienado e a repressão. Isto é historicamente possível. “As forças explosivas acham sua manifestação mais significativa na automação. A automação ameaça a inverter a relação entre tempo livre e tempo de trabalho sobre a qual repousa a civilização atual: ela ameaça oferecer a possibilidade do tempo de trabalho se tornar marginal e o tempo livre essencial. O resultado será uma transformação radical do conteúdo dos valores e um modo de vida incompatível com a civilização tradicional. A sociedade industrial é mobilizada e permanece contra essa possibilidade. (Marcuse, 1955, p. 10)
A proposta de Marcuse de uma nova racionalidade sensível surge como desdobramento dialético da racionalidade instrumental. A mudança na base material da sociedade deve mudar a forma da realidade. Se a forma da realidade é o da racionalidade instrumental, com o fim da sociedade do trabalho deve surgir uma nova racionalidade sensível. Nesta nova racionalidade as novas formas de trabalho seriam lúdicas. A redução quantitativa do trabalho necessário poderia se transformar em liberdade e em uma melhor forma e qualidade de vida. O trabalho automático, irritante e desprazeiroso seria abolido e substituído pelo trabalho lúdico. O trabalho deve ser acompanhado da reativação do erotismo polimórfico, ou seja, da capacidade de sentir prazer. Essa idéia de relações libidinais no trabalho surge em Fourier. Marcuse assimila em sua teoria os conceitos de “attraccion passionnée” ou “Travail attrayant” Para Fourier o trabalho deve ser atraente e prazeroso, pois é possível a criação de uma cooperação agradável entre os indivíduos. Essa atração tem três objetivos: “a criação do luxo e do prazer dos ‘cinco sentidos’; a formação de grupos libidinais (de amor e amizade) e o estabelecimento de uma ordem harmoniosa organizada por grupos de trabalho, de acordo com as ‘paixões individuais’ (‘jogo’ interno e externo das faculdades)” (Marcuse, 1955, p.189). O trabalho seria organizado tendo em vista a economia de tempo e espaço para o desenvolvimento integral do indivíduo. Seria um novo mundo estético, onde o trabalho seria lúdico e prazeroso. Todas as esferas da vida social seriam organizadas de tal forma, que propiciaria o pleno desenvolvimento do indivíduo e de suas faculdades receptivas e de fruição do prazer. O homem modelaria a realidade pela sua imaginação produtora, transformando a realidade em obra de arte.
Nesta nova racionalidade do prazer o próprio indivíduo modificaria sua estrutura psíquica. Contra uma concepção de indivíduo como Logos (Razão), surge a noção de indivíduo como Eros (Amor). O novo indivíduo proclamado por Marcuse tem seu fundamento na teoria das pulsões freudiana. Partindo de uma interpretação da obra Freud, à luz do marxismo, Marcuse buscou desenvolver uma nova concepção de natureza humana. O indivíduo foi entendido por ele como pulsão de vida (Eros). Na teoria freudiana essa pulsão é o impulso que preserva a vida e procura criar complexidades cada vez maiores de vida. Eros é a pulsão que busca a satisfação da sexualidade, do prazer e do amor. A luta pelo prazer se constitui como um anseio de toda matéria orgânica pela existência. Segundo Marcuse, nos primórdios da matéria orgânica, a razão surge no mundo como busca do prazer e fuga da dor. Mas quando a civilização através da luta pela existência se transformou em dominação pelos interesses de classes, a razão se converteu em repressão. Por este motivo, Marcuse, busca recuperar a antiga essência da razão humana. A razão tem como objetivo aliviar as tensões do organismo através do prazer. Na teoria freudiana, a função do aparelho neuronial é aliviar as tensões endógenas e exógenas do organismo. A função de descarga motora dá-se pelo impulso de prazer (Eros). Mas essa descarga se tornou em nossa época ação convertida em trabalho. O aparelho mental perdeu sua natureza essencial que era aliviar as tensões internas através de Eros. Hoje essas tensões são aliviadas no trabalho, que produz mais tensões e frustrações. Todas as forças psíquicas e físicas são empregadas na alteração apropriada da realidade. O objetivo de Marcuse, portanto, é recuperar a antiga função do aparelho neuronial como pulsão. A razão deveria assumir seu estado natural, a razão deveria transformar-se em Eros (pulsão de vida). Com isso, Eros redefiniria a razão em seus próprios termos. Essa nova razão, em uma sociedade futura, seria personificada na realidade em todas as esferas da vida social.
Bibliografia
MARCUSE, H. Eros et Civilization, Paris, Edtions de Minuit,
1955.
OFF, Clauss. Trabalho: a categoria-chave da sociologia? In: Revista Brasileira de Ciências sociais. Nº 10, V.04, junho de 1989.
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