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RADIO A FERRO E FOGO

sábado, 28 de fevereiro de 2009

TERROR E TREMOR


navegando pela NET encontrei essa interessante entrevista. Vale a pena ler!
A POSTAGEM ORIGINAL ENCONTRA-SE NESSE LINKhttp://p.php.uol.com.br/tropico/html/index.shl




dossiê: CINEMA BRASILEIRO

Temor e tremor
Por Fábio Fujita



O diretor Kiko Goifman conta como realizou "FilmeFobia", misto de ficção e documentário, em que pessoas são confrontadas com seus medos. Tal como “Santiago”, de João Moreira Salles, e “Jogo de Cena”, de Eduardo Coutinho, “FilmeFobia”, o mais novo trabalho do diretor mineiro Kiko Goifman, 40 anos, leva ao limite a ambição de tornar nebulosas as fronteiras entre ficção e documentário.
Esta opção pelo hibridismo não passou impune e tem gerado sequelas curiosas, como a seleção do filme para um festival específico de documentários em Copenhagen (Dinamarca) –ainda que Goifman garanta tratar-se de uma ficção com tonalidades documentais. Mais do que isso, a produção também mexeu com as estribeiras conservadoras do último Festival de Brasília, onde, a despeito de ter saído com o prêmio Candango de melhor filme, dividiu o público entre aplausos e vaias.
A polêmica é compreensível. Na trama de “FilmeFobia”, um diretor interpretado pelo crítico Jean-Claude Bernardet realiza um documentário em que pessoas fóbicas são confrontadas com suas fobias. Para trabalhar esse jogo metalinguístico, Goifman utilizou fóbicos não-atores, atores e atores fóbicos. “A única pergunta que não respondo é sobre quais cenas são com fóbicos reais e quais não são”, antecipou-se, na entrevista a Trópico, na sede de sua produtora PaleoTV, em São Paulo.
Entre as fobias “devassadas” no filme, estão desde as mais recorrentes, como as de altura e de ratos, até as mais esdrúxulas, como as de anões e de pelos. Apesar de admitir que a imprevisibilidade das reações na filmagem era, de fato, um elemento que lhe interessava no projeto, Goifman faz questão de colocar tal opção em perspectiva. “Pode parecer que a filmagem tinha uma coisa meio ao deus-dará, de que a gente filmava qualquer coisa, e não foi isso de forma alguma”, diz Goifman, que também atua no filme –é fóbico de sangue.
Tendo dirigido anteriormente “33”, documentário em que empreende uma jornada investigativa em busca de sua mãe biológica, o cineasta refuta a idéia de que “FilmeFobia” possa extrapolar os interesses cinematográficos para se tornar um estudo da psique e do comportamento humanos. “Nunca tive essa pretensão”, garante.Até porque há muito humor, ainda que negro, em “FilmeFobia”. A estética adotada, classificada como “expressionista” pelo próprio diretor, foi fruto da direção artística assinada por Cris Bierrenbach, artista plástica estreante em cinema. Somada ao uso de traquitanas –engrenagens que potencializam a experiência dos fóbicos ante seus objetos de ojeriza–, pode-se ler em “FilmeFobia” uma espécie de homenagem sarcástica aos filmes de terror ao estilo “Jogos Mortais”. A estréia em circuito está prevista para o primeiro semestre.Como você mesmo já definiu, “33” era um documentário com elementos de ficção, enquanto “FilmeFobia” é uma ficção com elementos de documentário. Era uma ambição sua estabelecer esse “diálogo conceitual” com seu trabalho anterior?

Kiko Goifman: Acho que sim. Talvez o primeiro diálogo em que percebi relação entre este projeto e o “33” foi lá no começo, conversando com o Jean-Claude (Bernardet), na casa dele. Falei que estava com vontade de fazer um filme de ficção. Sobre os meus documentários, cada vez mais eu ouvia a famosa frase: “Ah, mas isso não é um documentário, é um filme de ficção” e tal.Então falei: “Agora vou fazer um filme de ficção para pararem de me encher o saco”. Aí o Jean-Claude, para me provocar, falou: “Mas ‘33’ é um filme de ficção”. Eu não concordo. Mas obviamente que eu respeito demais o que ele pensa. Existem muitos elementos do “33” em “FilmeFobia”. Talvez um deles seja um conceito que o Jean-Claude vem trabalhando, que é a idéia de “autoficção”, em que você parte de alguns elementos reais –no caso de “33”, eu partia de um dado real, que era o de ser filho adotivo.Eu me afasto muito da idéia de que “33” seja um “documentário autobiográfico”. Para mim não é. Porque tudo o que eu tinha de material relacionado à minha infância foi para o lixo. Entrevistei minha tia, que dizia: “Ah, você era um menino bonitinho, gordinho, não sei o quê”. Quem assiste a “33” não sabe como foi minha infância, como foi minha adolescência, como virei adulto, qual é a minha trajetória. É um Kiko construído de acordo com alguns parâmetros que eu mantinha, se me interessava ou não. E acho que essa forma de trabalho tem no “FilmeFobia”.
Então o Jean-Claude sempre participou do projeto, desde o começo?
Goifman: É. Ele não participou do roteiro, não chegou nem a ler. Mas ele participou exatamente do começo. Foi superengraçado: na primeira vez, a gente chegou na casa do Jean-Claude, eu e Hilton (Lacerda, roteirista), para apresentar a ele o que seria a idéia do “FilmeFobia”. Num primeiro momento, era um filme que... vou usar uma expressão estranha: era um filme mais “clássico”. Que desenvolvia cinco situações diferentes de pessoas que estavam tendo problemas com fobia. O Jean-Claude nos ouvia pacientemente. Mas olhou e falou: “Que merda que está isso! Que coisa pouco instigante!”.
E, naquele momento, sugeriu: “Pense em algumas coisas que são interessantes, inclusive do seu próprio trabalho de documentário, a questão do acaso, como em '33', a questão da busca sem saber o que vem pela frente. Tem uma série de elementos que podem ser interessantes e, de repente, você está abandonando isso para fazer uma ficção como qualquer outra”.Ele deu essa provocação. Eu e Hilton concordamos. Pensamos e chegamos a um novo argumento. Falamos com ele sobre esse novo argumento, que é bem próximo do que é o filme agora, e aí ele leu, gostou e, na sequência, achei que ele poderia ser o personagem principal. Fiz o convite e ele topou.
No filme, o personagem dele diz que “só um fóbico diante de sua fobia é uma imagem real”. Isso era algo pensado para o roteiro, para o personagem, ou a proposta do filme é de sustentar essa premissa?
Goifman: 100% do roteiro. Essa tese que motiva o filme já estava desde o argumento. É uma premissa com a qual eu não concordo, Jean-Claude não concorda, Hilton não concorda. Mas a gente a considera uma premissa bonita. Ela teria alguma coisa sustentável, foi construída a partir daquela idéia de (Roland) Barthes, de que, quando alguém aponta uma câmera fotográfica para mim –conceito relacionado à morte, à fotografia como morte–, eu já começo a posar. Então, nunca se poderia capturar uma imagem autêntica.
Por que a fobia poderia? Porque uma pessoa fóbica diante de sua fobia tem gestos erráticos, se descontrola, começa a suar. Tem reações que não são controladas. Então a gente começou a achar que essa premissa era crível. Ou que um personagem se motivasse, fazendo experimentos por conta dessa premissa que todos nós achamos uma bobagem.Você citou Barthes, e tem também Jean Rouch, cujo cinema era baseado no uso de elementos fictícios para se chegar ao que ele considerava “mais autêntico”. Em “FilmeFobia”, seu personagem pergunta a Jean-Claude se um fóbico falso pode criar uma imagem verdadeira. Então me ocorreu a questão da escalação de atores fóbicos: você conseguiu extrair deles representação?
Goifman: Com relação à idéia de Jean Rouch, eu concordo. Para mim, Jean Rouch é o documentarista mais interessante nesse sentido, nesse namoro com a ficção e na execução disso, em obras fortes, que trazem esses elementos e que ficam intrincados.Os atores fóbicos são quase uma metáfora do filme. Quando eu estava com os fóbicos reais, eu explicava tudo o que iria acontecer. Eu tinha sempre um enfermeiro em cena e um acordo que funcionava assim: se o fóbico falasse o próprio nome, significava que era para parar (a filmagem), porque não estava sendo legal para ele.Vou te dar alguns exemplos. Tinha o fóbico de anão e borboletas. Ele sabia que viria um anão (para cima dele), e que esse anão estaria nu; sabia que haveria (contato com) borboletas verdadeiras, mas mortas. Ou seja, sabia o que iria acontecer (na cena). Não tinha nenhum tipo de “pegadinha” com os fóbicos reais.Com os atores, eu fazia uma descrição genérica da cena. Obviamente que, se a pessoa fosse ser amarrada ou exposta à nudez, ela sabia disso. Mas não existia um contato físico (prévio) das pessoas com as traquitanas. Com os atores mesmo, eu pedia a reação, falava que tipo de reação eu queria. Se mais controlada, exagerada, se pânico ou choro.A partir disso, a gente conversava muito. Eu não fazia exatamente o ensaio no local. Isso gerava um problema imenso para a direção de arte. Porque a gente tinha medidas dos atores de tudo: do tamanho do pulso à falange, para que as traquitanas funcionassem, não quebrassem, fossem seguras.Tivemos zero acidente na produção. E queríamos tentar manter um certo vigor da primeira experiência do fóbico com a máquina. No caso dos atores fóbicos, eu conversava com eles como fóbicos. Explicava para eles que se na cena não se desencadeasse a fobia deles, que eles começassem a atuar. E uma atuação próxima do que seria a fobia deles. Isso embaralhava de uma forma tal a construção, que não tem como eu estar 100% seguro em saber se eles interpretaram ou se tiveram reações reais.
Você disse que não trabalhou com ensaios. A questão da imprevisibilidade era um dos elementos que te interessavam?
Goifman: É. Tentei muita improvisação, mas tem principalmente uma coisa que me incomoda na ficção, que vem num crescente: quando você tem equipes pesadas demais, cada vez menos o set se transforma num lugar em que algo inesperado possa ser bem-vindo. Porque você tem um problema de administração de custos. Principalmente depois de “33”, sempre gostei muito de incorporar elementos de acaso dentro do documentário e de ter que resolver algumas questões que surgiam ali na hora. Não adianta também você virar e dizer que agora quer o improviso, sem propiciar que isso aconteça. Eu queria muito que essa possibilidade do acaso, que acho que é bastante cara no documentário, pudesse ter na ficção.Em alguns momentos, tentei improvisações que ficaram horríveis e acabaram completamente fora do material. Mas algumas fizeram bastante sentido. Por exemplo, o Vitor Angelo, que é o fóbico de palhaços, foi instruído a provocar Jean-Claude. E Jean-Claude foi instruído para retrucá-lo com veemência. Enquanto que em outras (situações) ele era instruído para ficar triste, ou para ficar mais amável com o fóbico.Mas isso às vezes me preocupa um pouco, quando se fala de acaso e improviso, de parecer que o filme tinha uma coisa meio ao deus-dará; de que a gente filmava qualquer coisa, e não era isso de forma alguma.O interessante é que, quando a gente viu na montagem, milhares de coisas estavam como previstas no roteiro, como a abertura com o anão, que era algo que já existia no primeiro tratamento do roteiro; do primeiro momento em que só aparecem os fóbicos vivenciando as fobias até a chegada da equipe, tudo isso foi mantido ipsis literis.
Você falou que não houve acidente na filmagem. Mas teve algum tipo de imprevisto, em que a coisa ameaçou sair do controle?
Goifman: Sempre. Lembro que no segundo dia, pela manhã, filmei fobia de ratos, e logo no primeiro momento da tarde, filmei a fobia de cobras. O que deixou as cobras completamente excitadas, porque a casa tinha cheiro de rato o tempo todo.O fóbico de altura, quando ele é suspenso, criava uma supertensão, por causa dos guindastes, que subiam 17 metros. Essas situações geravam uma ansiedade e um comportamento quase religiosos no set, para que desse tudo muito certo, tecnicamente, para que a cena com ator desse certo, para que tudo ficasse bem com o fóbico e todas as nossas traquitanas conseguissem, por exemplo, que algo não despencasse quando alguém tivesse alguma reação ultraviolenta.No site (oficial do filme) tem um diário de filmagem, feito pelo Hilton Lacerda. É um diário de filmagem completamente mentiroso. Isso provocava muitas reações, muitas críticas, o Jean-Claude era xingado de sádico. E todo dia a gente ligava para o Jean-Claude e dizia: “Olha, está chegando esse tipo de comentário, de que você é sádico, é filho da puta, você vai continuar bancando?”. E ele: “Pode deixar, vou continuar bancando”.Lendo aquilo, você tem uma visão de que o set era um campo de guerra. Mas dei total liberdade para o Hilton escrever o diário como ele quisesse. Assim que passava uma fobia, ele colocava. O site também foi uma forma de se chegar aos fóbicos. A gente pedia relatos de fobia, numa parceria com o UOL, e o UOL dava uma bombada na capa, chegava um monte de relato, e esses relatos eram interessantíssimos. Algumas fobias chegaram a entrar no filme nesse contato com a internet, e mesmo alguns fóbicos chegaram a partir da internet.
Além da questão do recrutamento, como foi o processo para se convencer as pessoas fóbicas a se confrontarem com suas fobias?
Goifman: O recrutamento teve duas vias. Teve esse dado da internet, em que não só pessoas fóbicas, que eu não conhecia, mandavam e-mails, mas às vezes amigos fóbicos, que acabaram participando do filme, também. E uma outra forma foi a metodologia simples “bola de neve”. Eu comecei a falar sobre o assunto aqui (na produtora), e um rapaz que trabalha comigo disse: “Pô, tenho amigo que tem fobia de anão e borboleta”. E aí eu respondi: “Tenho que falar com esse cara”.Chegamos a um número considerável de fóbicos, mas antes de falar sobre o modo como os convenci, tem um detalhe. Há um momento no filme em que o Caio (fóbico de anão e borboleta) fala olhando para a frente, apoiado numa máquina que é tipo um detector de mentira, bem picareta. Eu usei tanto com atores quanto com fóbicos, conversava com eles usando esse detector de mentiras. Preferi não fazer um teste de interpretação.Nesse momento eu fiz um descarte muito grande de atores expressionistas demais. Essa foi uma preocupação que tive, porque, como o filme já tem uma luz expressionista, de sombras, eu queria juntar um pouco desse expressionismo da luz com uma atuação na maior parte das vezes naturalista dos atores. E, com as traquitanas, as cenas em alguns momentos chegam a ser até surreais.Sobre como convencer foi muito simples. Eu falava o que era. E também, obviamente, a produção entrava em contato com algumas pessoas antes, e aí as pessoas que topavam vir conversar já estavam predispostas ao filme. Claro que houve pessoas que disseram: “Não faço isso de jeito nenhum”. Essas já eram descartadas pela produção.
Desistência durante o processo não houve?
Goifman: Teve uma pessoa que, durante o processo, teve que gritar o próprio nome. Mas não foi nada grave demais, ficou só com pressão baixa. Mas acho que existe uma discussão que a gente incorporou no próprio filme, que tem a ver com esse processo de convencimento. Por que as pessoas topam? Ouvi respostas das mais loucas. Uma era assim: "Fobia sempre foi um problema na minha vida, seria o momento para transformar essa merda em alguma coisa”.
Exorcizar a fobia?
Goifman: Transformar em alguma coisa útil. Outra, bastante comum, era isso: exorcizar. “Se eu falo, eu compartilho. Se eu compartilho, é bom para mim”. É uma coisa que tem a ver também com “33”, no sentido de assuntos-tabus. A fobia normalmente é uma coisa que a gente esconde. Revela certa fragilidade. Falar de sua fobia é, de alguma forma, o seu calcanhar de Aquiles. Outras pessoas talvez tenham participado pelo desejo de estar num filme. Do tipo “meu desejo de participar de um filme é maior do que a minha fobia”.
Houve alguma fobia que te interessava, mas que você não conseguiu incluir?
Goifman: Acho que não. Algumas fobias eu optei por não filmar como fobias. Mas existem situações fóbicas que estão ali presentes. Por exemplo: a própria abertura com o mar é uma fobia relativamente comum, a fobia de mar. Só que eu não quis filmar, porque eu gosto de passar 90% do tempo ali dentro naquela casa (cenário principal do filme).Teve uma fobia que a gente filmou no exterior durante o dia, a fobia de cachorro. Só que, aí, quando a gente viu o material, estava muito diferente daquela dimensão mais escura, claustrofóbica do restante do filme. Então ela não entrou. Mas chegou a ser filmada.Por isso eu tinha os atores também. Eu tinha a possibilidade de trabalhar máquinas alucinadas, que eventualmente poderiam causar situações de fobia. Houve algumas experiências pelo caminho que foram perdendo impacto. Eu queria fobia de raios, trovões, relâmpagos. Mas aí, tecnicamente, comecei a não gostar das saídas que a gente teria que usar.Tinha uma coisa que eu evitei nas fobias, que era, por exemplo, utilizar projeção de imagens, de a pessoa ficar vendo imagens pelo projetor. Queria muito mais as traquitanas. Porque, se colocássemos as pessoas diante de um projetor e vendo qualquer tipo de imagem, poderíamos chegar a qualquer tipo de fobia. Achava que era um caminho pouco instigante.
Como é que uma pessoa pode ter fobia de ser enterrada viva? Ela nunca passou por uma experiência assim.
Goifman: Mas ela tem fobia de coisas relacionadas à morte. O enterrado vivo seria um ponto máximo. A fobia de elementos relacionados a morte é uma fobia recorrente. Temos relatos disso, que chegaram pela internet, e também relatos clínicos, que a gente leu bastante.
Você considera que, no saldo geral dessa experiência, ter realizado “FilmeFobia” extrapolou seus interesses cinematográficos, já que o filme não deixa de ser um estudo da psique?
Goifman: Não. Nunca tive essa pretensão. Eu acho que ele pode ser visto desta forma. Acho que ele pode ser um ponto de partida, por exemplo, para psicólogos, psicanalistas discutirem. Mas tal qual está lá, acho que não. Porque tem muita ironia, muita sacanagem. Nunca tive a pretensão de abordar a fobia a partir de um outro ponto de vista, psicanalítico. Se por acaso alguns psicanalistas ou psiquiatras pegarem o filme e aquilo servir de ponto de partida para eles chegarem a algum tipo de conclusão, acho interessante. Mas não que isso esteja contido no “FilmeFobia”.
Que leitura você fez das vaias no Festival de Brasília: uma incompreensão pela proposta do filme? Ou tem mais a ver com uma possível idéia de sensacionalismo, de “exploração masoquista”, como diz um dos personagens?
Goifman: Eu reagi muito bem às vaias. Até porque teve um superdimensionamento disso. No ano anterior, quando o Bressane ganhou em Brasília, ele tomou uma vaia considerável por “Cleópatra”. Qualquer matéria que você pegar sobre o “Cleópatra” ter vencido Brasília fala das vaias, do público participativo de Brasília. Não tem uma matéria que não fale das vaias.O público não é uma entidade, mas eu senti que, muito mais do que em qualquer outro ano, o público de Brasília assumiu uma coisa de “overparticipação”. Isso eu ouvi inclusive de pessoas do festival. Como as vaias ficaram mais importantes do que a premiação, eu sinto que o público de Brasília estava com um desejo de se manifestar durante a projeção.Vaiaram curtas excelentes. Em um dos curtas, que eu tinha achado maravilhoso, uma parte das pessoas nem tinha visto o filme e vaiou. Por outro lado, acho excelente. Felizmente a gente vive numa democracia. Felizmente as pessoas podem vaiar. Uma parte muito maior aplaudiu.
Até do ponto de vista artístico, também há um fascínio nisso, não? Melhor a vaia do que a indiferença.
Goifman: Claro. A indiferença me preocupava. Tentando imaginar porque algumas pessoas vaiaram, eu li alguns blogs que escreveram sobre o festival. Tem alguns que são elogiosos, outros que são bem críticos. Entre estes que são críticos teve o de uma mulher que falou que só conseguiu assistir dez minutos do filme, porque na sequência dos ratos, ela foi embora por ter fobia de ratos. E que o filme era um absurdo e tal. Provavelmente ela vaiou, tendo assistido a só dez minutos de filme. São tantos os motivos... Pode ter havido uma galera que tenha ficado chocada, que achou que era uma exploração sensacionalista disso. Acho ótimo que tenha gente que pense assim.Acho que pode ter tido gente que achou o filme lento, sem ação. Outros podem ter pensado, até dentro do contexto de Brasília: “Cadê o elemento social desse filme? Onde está?”. Porque foi um festival com uma força de documentários, e alguns deles tratando de questões sociais importantes.Foi um conjunto de coisas que levou a ter vaias. Imagino que quem ganhar Brasília no ano que vem vá receber vaias, independentemente de quem for. Acho normal. Cada um reage de uma forma. No meu caso, talvez até pelas vaias não terem sido tão grandes, preferi achar que foram legais. Não vou fazer filmes unanimemente aclamados. Não é minha praia, “33” não foi, os curtas não são. Fico tranquilo quanto a isso.
Sei que você é um entusiasta das DVCams até porque, sem elas, o projeto de “33”, por exemplo, não existiria. Você acredita, se não no fim, mas numa certa superação da película?
Goifman: O digital traz um papel fundamental para o cinema hoje, eu sinto que sim. E mesmo as pessoas que filmam em 35mm hoje em dia, 100% delas monta a partir de algum dispositivo digital. A montagem na moviola realmente não faz mais sentido. Mesmo montadores clássicos montam, hoje, a partir de sistemas digitais.A gente pensa na câmera, mas essa pós-produção também é muito importante. O digital, para mim, tem várias possibilidades. Uma delas é a redução de equipe, o que acho saudável para o tipo de cinema que faço. Porque tem essa possibilidade de incorporar acasos e ter uma equipe mais leve. Toda finalização para 35mm ainda é bastante cara. Essa eu acho que tende a acabar.Há a tendência das salas digitais, e os exibidores, é óbvio, ainda têm medo de investir em equipamentos digitais. Uma câmera 35mm dura 30 anos. Na hora em que você compra seu projetor digital, já tem um melhor e mais barato. Essa transformação da exibição está sendo um pouco lenta também por medo disso. Mas cada vez mais os festivais estão se abrindo para formatos digitais, Brasília é uma exceção. Você já tem curtas digitais em Brasília, mas não tem longa em digital. Os editais de produção também já incorporaram a possibilidade de filmar em digital, e em algum momento vão incorporar a possibilidade de exibir em digital. É um caminho meio natural.Sobre questão do fim ou não da película, fico tão pouco à vontade para falar porque sinto que é briga de indústria. Sinto que toda essa discussão envolve algumas megaempresas. O digital traz milhares de possibilidades. Acho difícil eu filmar hoje em 35mm ou 16mm. O último trabalho que a gente filmou em 16mm era um plano-sequência, bem curto, que foi o “Morte Densa”, um documentário de média-metragem em que quis fazer as imagens em Super 16.Por mais que eu seja um entusiasta do digital, eu não sou entusiasta de uma certa idéia que se tem por aí, de que só com digital se fazem coisas. Você vê um filme de Dziga Vertov, feito na década de 20, com uma supermontagem, ou mesmo filmes de Jean Rouch, feitos em cinema, com câmeras pequenas, e descobre que já havia essas possibilidades. Não sei o quão democrático é. Mas que é mais acessível, sim.
O documentarismo brasileiro vive uma fase muito boa. Ao mesmo tempo, você parece ser uma “mancha”, tendo desenvolvido uma carreira muito própria, peculiar. É uma impressão correta?
Como você se posiciona nesse meio, até em relação à distribuição dos filmes?
Goifman: Primeiro: eu partilho da idéia de que o documentário vive um bom momento, e esse momento já tem até uma história de há alguns anos, em filmes como “O Prisioneiro da Grade de Ferro” e vários outros. Inclusive, é muito comum ver, em festivais fora do país, mostras de documentários brasileiros. Costumava-se falar que, ao lado do boom... “boom” não, porque essa palavra eu odeio. Ao lado da força do cinema de ficção argentino, você tinha por outro lado uma força do documentário brasileiro, com esporádicos bons filmes de ficção brasileiros.Tem um número grande de coisas acontecendo na área de documentários. Isso é visto muito lá fora. Esse culto que a gente tem pelo Oscar, à representatividade disso, é perigoso. Filme brasileiro que não entra na disputa ao Oscar dá matéria grande, e de um filme brasileiro que acabou de ganhar um prêmio na Europa não se fala absolutamente nada.Os principais festivais europeus, desde Berlim, Veneza e Cannes, passando por Roterdã, Locarno, San Sebastián, todos eles sempre trazem filmes brasileiros, e normalmente com documentários no meio. Falei que não gosto do termo “boom” porque parece que foi uma coisa que veio, explodiu e vai embora. A lambada viveu um “boom”... O documentário vai ficar, e a gente tem uma tradição de documentário, não nasceu do nada. Agora, o meu lugar nessa história, eu não sei...
Porque o “33” foi lançado num esquema bem independente, não?
Goifman: Sim. Mas eu não sei o quanto gosto disso. “33” foi lançado num esquemão assim até por uma urgência de grana que a gente tinha. Entrou em três salas. Foi uma loucura, porque lançamos com três cópias. Entramos em São Paulo e, na segunda semana, já tínhamos que tirar de uma sala, porque havíamos combinado de lançar em Belo Horizonte.
“FilmeFobia” também vai ser assim?
Goifman: Não. No “FilmeFobia”, teremos distribuidor. Existe uma coisa, que o Jean-Claude falou outro dia num debate, de que ele sente falta que existam no Brasil distribuidores capazes de ver um filme como “FilmeFobia”, que tentem entender o tamanho dele. Filmes que, se tivessem um tipo de investimento inteligente, talvez maior do que o aspecto financeiro, pudessem trabalhar uma política na contramão do primeiro fim de semana do público.O que arrebenta, não só os meus filmes, mas uma boa parte desses documentários ou mesmo ficções de baixo orçamento no Brasil, é essa questão do primeiro fim de semana. Porque eles (os lançamentos tradicionais) vêm a partir de uma propaganda maciça, de milhões. Enquanto que o velho boca-a-boca demanda tempo.“33”, hoje em dia, tem uma saída de DVD muito legal, participa de coisas das quais eu achava que seria acusado. Você tem seminários de adoção no Brasil inteiro que usam (o filme), se interessam, pais adotivos querem... Adoção é um fenômeno no Brasil. É uma coisa que não se fala, mas há uma grande quantidade de filhos adotivos. Todo mundo conhece alguém, ou é, ou tem parente adotivo. Isso mantém “33” vivo ainda.Até pelo que o Jean-Claude falou, talvez faça falta um tipo de distribuidor que tente entender qual o tamanho desse filme, o número de cópias, que diga: “Ah, não vamos entrar com 20 cópias, vamos entrar com menos, mas que sejam cópias pensadas para lugares estratégicos”. A partir, por exemplo, do que falei, de uma ação de internet, de percepção de que tipo de comunidade pode se interessar por aquele filme.Aí eu me sinto bem igual a todo mundo, talvez um ou outro tenha mais dinheiro para fazer um lançamento maior. Eu acho, do fundo do coração, que meus filmes têm um público. E que talvez a gente precise –não só eu, mas os produtores– entender como chegar a esse público com os distribuidores.
Falta diálogo com eles?
Goifman: Tenho recebido contatos recentes, até de pessoas interessadas em distribuir o filme. O que eu acho é que faltava, num certo momento, um olhar com atenção para esse tipo de filme: se ele tem uma linguagem diferente, se é um documentário, que tipo de público pode se interessar por ele. Acho que falta um pouco essa reflexão. Mas estou sentindo que tem uma galera, de pequenos distribuidores, que está começando a pensar nisso.Se esse pequeno distribuidor ganha um edital da Petrobrás de R$ 400 mil para fazer a distribuição, o que para um filme pequeno é bem bacana, ele não vai fazer 50 cópias. Porque se ele faz 50 cópias do filme, ele já gastou mais da metade do dinheiro em cópias. Então tem pessoas que estão começando a pensar nisso. Aspiração de um superpúblico eu não tenho. Adoraria ter. Mas acho um pouco distante do tipo de cinema que faço.
Publicado
em 9/2/2009.
Fábio FujitaÉ jornalista.
http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/3055,3.shl

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